Ponto de Vista
Pôster: uma Prática a ser Revista!
Poster: a Practice to be Revised!
Luís Beck-da-Silva1,2 e Luís Eduardo Rohde1,2
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)1
; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)2
, Porto Alegre, RS - Brasil
Correspondência: Luís Beck-da-Silva •
Avenida Goethe, 16/504 - Rio Branco - 90430-100 - Porto Alegre, RS - Brasil
E-mail: luisbeckdasilva@gmail.com
Artigo recebido em 30/10/10; revisado recebido em 13/01/11; aceito em
13/01/11.
Palavras-chave Pôsteres como assunto, congressos como assunto, educação médica/métodos, pesquisa/educação.
“A ciência comete suicídio quando adota um credo”.
Thomas Huxley
“O pôster é uma forma prática e dinâmica de
divulgação de resultados de pesquisas científicas,
mesmo que preliminares, para ampla audiência de
pesquisadores. Também é um momento de interação
com investigadores de outros centros, de integração
entre grupos que atuam em áreas similares e de
difusão rápida de conhecimentos. Além disso, trata-se
de fórum propício para estudantes iniciarem-se na
execução e apresentação de suas pesquisas.”
A apresentação de trabalhos científicos em congressos
é considerada, por muitos, etapa essencial do processo
de consolidação e construção do conhecimento. Como
alternativa à tradicional apresentação oral, o formato de
apresentação em pôster é prática corrente no Brasil e no
Mundo, baseado em conceitos intuitivamente corretos, porém
pouco validados.
Vejamos, na prática, se cada uma das assertivas citadas
pode hoje resistir à contundência de pequenas doses de
realidade e contemporaneidade.
“Forma prática e dinâmica de pesquisadores apresentarem
resultados.” Ora, o pôster requer que o pesquisador se
desloque fisicamente até a cidade do congresso, que
encontre e se encaminhe até o prédio onde ocorre o evento
e que descubra o local designado à apresentação do seu
pôster. Frequentemente, esse local está marginalizado dos
acontecimentos centrais do congresso e em horário pouco
propício para interação. Será isto prático ou viável num mundo
onde pesquisadores podem comunicar-se diariamente por
meios eletrônicos de forma rápida e eficiente?
“Forma de contato com pesquisadores de outros centros.”
Infelizmente, o pôster é uma atividade prestigiada por uma
ínfima parcela da população que circula em um congresso.
Não é raro que o apresentador do pôster interaja apenas com
seu “avaliador”, indivíduo bem intencionado, mas que muitas
vezes também carece dos conhecimentos mais básicos sobre
o tópico da pesquisa em questão. A interação construtiva com
grupo de pesquisadores interessados e com capacidade de
agregar sugestões pertinentes tem sido fenômeno cada vez
menos frequente em muitos eventos. Tal fato se torna ainda
mais evidente em congressos que envolvem áreas muito
diversas e heterogêneas do conhecimento.
“Forma de difusão de conhecimentos.” Será essa forma
de contato um modo eficiente de integração entre grupos e
de difusão de conhecimentos? De fato, são horas de posição
ortostática para apresentarmos nosso pôster para um número
mínimo de pessoas, que muitas vezes passam pelo local de
apresentação apenas em direção à porta de saída! Muitos
congressos já testam, há vários anos, o uso do pôster eletrônico
como forma alternativa e criativa de alcançar maior audiência.
No formato atual, o pôster tradicional é apenas uma forma de
divulgação muito pouco competitiva quando comparada ao
número de pessoas que visitam endereços eletrônicos, baixam
artigos científicos completos ou veiculam suas opiniões em
meios modernos de interação (“twitter”, “blogs” e “sites” de
revistas científicas consolidadas). Afinal, não seria a publicação
final do artigo em periódico disponível em meios eletrônicos
a forma mais eficiente para tal divulgação?
“Fórum propício para estudantes...” Por fim, talvez o
ponto mais importante e delicado: o dos estudantes. Os
estudantes envolvidos em atividades de iniciação científica
nutrem alta expectativa com a apresentação de um pôster
em congresso, particularmente naqueles de âmbito nacional.
A preparação é demorada e envolve discussão detalhada
com seus professores a respeito de aspectos de formato e
de metodologia científica. Preocupam-se intensamente com
perguntas que podem advir da plateia. O investimento pessoal
e financeiro é substancial. E então, posicionam seu pôster
no local designado... E agora? Muitas vezes, ficam em um
corredor vazio, geralmente ao final da tarde, vislumbrando
os congressistas transeuntes já exauridos dirigindo-se para
a saída, preocupados com a volta ao seu hotel. É para
esse estudante interessado e pesquisador aspirante que a
apresentação de pôster em um congresso pode transformar-se
em uma história de frustrações. Fica a indagação se todo o
esforço depreendido é, de fato, justificável.
Uma pergunta ainda pertinente diz respeito à qualidade
científica intrínseca do que é apresentado em congressos
científicos. Levantamentos internacionais comprovam a baixa
taxa de publicação de artigos completos provenientes de
trabalhos apresentados em congressos.
Von Elm e cols.1
estimaram em uma metanálise a taxa
de publicação após congressos biomédicos internacionais,
avaliando trabalho de 1957 a 1999, e encontraram uma taxa
de apenas 27% num período de dois anos após o evento.
Estimativas do gênero aplicadas à realidade brasileira não
são disponíveis, mas não se espera que os resultados sejam
superiores. Explicações para esse fenômeno ainda são
incipientes2
. Sabe-se que estudos clínicos com resultados
negativos têm menor chance de publicação, fenômeno
conhecido como “publication bias”, porém a apresentação
de resultados preliminares e não consolidados de pesquisas
clínicas e experimentos científicos também é responsável por
taxas tão baixas de publicação. Fica evidente que resultados
preliminares podem não ser posteriormente comprovados e
pesquisas incompletas podem simplesmente não ser finalizadas.
Por fim, uma fração desses trabalhos, mesmo com
mérito científico evidente, não encontra espaço final para
publicação. Então, qual o destino do conhecimento produzido
e apresentado nos congressos e não publicados? Uma sugestão
a bibliotecários e sociedades científicas seria a de viabilizar
formas alternativas, mesmo que apenas em meios eletrônicos,
de divulgação final do enorme contingente de resumos
veiculados em congressos. Uma espécie de Pub Med dos
temas-livres talvez deva ser considerada. Isto poderia resgatar
a importância do tema-livre não publicado (chamada por
alguns de “dark-data”)
3
.
A simples repetição de uma prática meramente pela
crença de que a perpetuação da rotina é receita de sucesso
pode ferir um dos princípios básicos que regem a atividade
científica. Aliado a isto, as expectativas frustradas de uma
nova geração de pesquisadores podem minar o que deveria
ser essência dos encontros médicos científicos: um fórum
dinâmico e estimulante de congraçamento e interação de
pessoas interessadas por assuntos comuns.
Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Cardiologia
deveria repensar a atividade de pôster em nossos congressos,
particularmente no nosso maior evento - o Congresso
Brasileiro de Cardiologia. Aqui não se sugere a “moratória”
dessa forma de apresentação, porém, que se estimulem
realmente a participação e o congraçamento de pesquisadores
e de estudantes em nossos congressos, através de formas
mais criativas, mais modernas e mais eficientes de difusão do
conhecimento do que o modelo atual. Que se proceda a uma
seleção ainda mais rigorosa dos trabalhos, condizente com
avanço notório da qualidade da pesquisa brasileira. Que se
diminua substancialmente o número de trabalhos aprovados
e que, assim, valorizem-se mais aqueles selecionados. Que se
convoquem as lideranças de pesquisa cardiovascular para as
sessões de pôster, qualificando a avaliação dos mesmos. Que
o processo de seleção dos melhores trabalhos apresentados
seja efetuado durante o Congresso, com base também nas suas
apresentações, e não previamente. Por fim, que isto ocorra
no horário nobre do congresso e na sala principal.
Da nossa pesquisa sairão os nossos e novos valores.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento
externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação.