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sexta-feira, 13 de março de 2015

Pôster: uma Prática a ser Revista! De Luís Beck-da-Silva e Luís Eduardo Rohde

Ponto de Vista Pôster: uma Prática a ser Revista! 
Poster: a Practice to be Revised! 
Luís Beck-da-Silva1,2 e Luís Eduardo Rohde1,2 
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)1 ; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)2 , Porto Alegre, RS - Brasil Correspondência: Luís Beck-da-Silva • Avenida Goethe, 16/504 - Rio Branco - 90430-100 - Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: luisbeckdasilva@gmail.com 

Artigo recebido em 30/10/10; revisado recebido em 13/01/11; aceito em 13/01/11. 

Palavras-chave Pôsteres como assunto, congressos como assunto, educação médica/métodos, pesquisa/educação. 

“A ciência comete suicídio quando adota um credo”. Thomas Huxley 

“O pôster é uma forma prática e dinâmica de divulgação de resultados de pesquisas científicas, mesmo que preliminares, para ampla audiência de pesquisadores. Também é um momento de interação com investigadores de outros centros, de integração entre grupos que atuam em áreas similares e de difusão rápida de conhecimentos. Além disso, trata-se de fórum propício para estudantes iniciarem-se na execução e apresentação de suas pesquisas.” 

A apresentação de trabalhos científicos em congressos é considerada, por muitos, etapa essencial do processo de consolidação e construção do conhecimento. Como alternativa à tradicional apresentação oral, o formato de apresentação em pôster é prática corrente no Brasil e no Mundo, baseado em conceitos intuitivamente corretos, porém pouco validados. 

Vejamos, na prática, se cada uma das assertivas citadas pode hoje resistir à contundência de pequenas doses de realidade e contemporaneidade. 

“Forma prática e dinâmica de pesquisadores apresentarem resultados.” Ora, o pôster requer que o pesquisador se desloque fisicamente até a cidade do congresso, que encontre e se encaminhe até o prédio onde ocorre o evento e que descubra o local designado à apresentação do seu pôster. Frequentemente, esse local está marginalizado dos acontecimentos centrais do congresso e em horário pouco propício para interação. Será isto prático ou viável num mundo onde pesquisadores podem comunicar-se diariamente por meios eletrônicos de forma rápida e eficiente? “Forma de contato com pesquisadores de outros centros.” Infelizmente, o pôster é uma atividade prestigiada por uma ínfima parcela da população que circula em um congresso. Não é raro que o apresentador do pôster interaja apenas com seu “avaliador”, indivíduo bem intencionado, mas que muitas vezes também carece dos conhecimentos mais básicos sobre o tópico da pesquisa em questão. A interação construtiva com grupo de pesquisadores interessados e com capacidade de agregar sugestões pertinentes tem sido fenômeno cada vez menos frequente em muitos eventos. Tal fato se torna ainda mais evidente em congressos que envolvem áreas muito diversas e heterogêneas do conhecimento. 

“Forma de difusão de conhecimentos.” Será essa forma de contato um modo eficiente de integração entre grupos e de difusão de conhecimentos? De fato, são horas de posição ortostática para apresentarmos nosso pôster para um número mínimo de pessoas, que muitas vezes passam pelo local de apresentação apenas em direção à porta de saída! Muitos congressos já testam, há vários anos, o uso do pôster eletrônico como forma alternativa e criativa de alcançar maior audiência. No formato atual, o pôster tradicional é apenas uma forma de divulgação muito pouco competitiva quando comparada ao número de pessoas que visitam endereços eletrônicos, baixam artigos científicos completos ou veiculam suas opiniões em meios modernos de interação (“twitter”, “blogs” e “sites” de revistas científicas consolidadas). Afinal, não seria a publicação final do artigo em periódico disponível em meios eletrônicos a forma mais eficiente para tal divulgação? 

“Fórum propício para estudantes...” Por fim, talvez o ponto mais importante e delicado: o dos estudantes. Os estudantes envolvidos em atividades de iniciação científica nutrem alta expectativa com a apresentação de um pôster em congresso, particularmente naqueles de âmbito nacional. A preparação é demorada e envolve discussão detalhada com seus professores a respeito de aspectos de formato e de metodologia científica. Preocupam-se intensamente com perguntas que podem advir da plateia. O investimento pessoal e financeiro é substancial. E então, posicionam seu pôster no local designado... E agora? Muitas vezes, ficam em um corredor vazio, geralmente ao final da tarde, vislumbrando os congressistas transeuntes já exauridos dirigindo-se para a saída, preocupados com a volta ao seu hotel. É para esse estudante interessado e pesquisador aspirante que a apresentação de pôster em um congresso pode transformar-se em uma história de frustrações. Fica a indagação se todo o esforço depreendido é, de fato, justificável. 

Uma pergunta ainda pertinente diz respeito à qualidade científica intrínseca do que é apresentado em congressos científicos. Levantamentos internacionais comprovam a baixa taxa de publicação de artigos completos provenientes de trabalhos apresentados em congressos. 

Von Elm e cols.1 estimaram em uma metanálise a taxa de publicação após congressos biomédicos internacionais, avaliando trabalho de 1957 a 1999, e encontraram uma taxa de apenas 27% num período de dois anos após o evento. Estimativas do gênero aplicadas à realidade brasileira não são disponíveis, mas não se espera que os resultados sejam superiores. Explicações para esse fenômeno ainda são incipientes2 . Sabe-se que estudos clínicos com resultados negativos têm menor chance de publicação, fenômeno conhecido como “publication bias”, porém a apresentação de resultados preliminares e não consolidados de pesquisas clínicas e experimentos científicos também é responsável por taxas tão baixas de publicação. Fica evidente que resultados preliminares podem não ser posteriormente comprovados e pesquisas incompletas podem simplesmente não ser finalizadas. 

Por fim, uma fração desses trabalhos, mesmo com mérito científico evidente, não encontra espaço final para publicação. Então, qual o destino do conhecimento produzido e apresentado nos congressos e não publicados? Uma sugestão a bibliotecários e sociedades científicas seria a de viabilizar formas alternativas, mesmo que apenas em meios eletrônicos, de divulgação final do enorme contingente de resumos veiculados em congressos. Uma espécie de Pub Med dos temas-livres talvez deva ser considerada. Isto poderia resgatar a importância do tema-livre não publicado (chamada por alguns de “dark-data”) 3 . 

A simples repetição de uma prática meramente pela crença de que a perpetuação da rotina é receita de sucesso pode ferir um dos princípios básicos que regem a atividade científica. Aliado a isto, as expectativas frustradas de uma nova geração de pesquisadores podem minar o que deveria ser essência dos encontros médicos científicos: um fórum dinâmico e estimulante de congraçamento e interação de pessoas interessadas por assuntos comuns. Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Cardiologia deveria repensar a atividade de pôster em nossos congressos, particularmente no nosso maior evento - o Congresso Brasileiro de Cardiologia. Aqui não se sugere a “moratória” dessa forma de apresentação, porém, que se estimulem realmente a participação e o congraçamento de pesquisadores e de estudantes em nossos congressos, através de formas mais criativas, mais modernas e mais eficientes de difusão do conhecimento do que o modelo atual. Que se proceda a uma seleção ainda mais rigorosa dos trabalhos, condizente com avanço notório da qualidade da pesquisa brasileira. Que se diminua substancialmente o número de trabalhos aprovados e que, assim, valorizem-se mais aqueles selecionados. Que se convoquem as lideranças de pesquisa cardiovascular para as sessões de pôster, qualificando a avaliação dos mesmos. Que o processo de seleção dos melhores trabalhos apresentados seja efetuado durante o Congresso, com base também nas suas apresentações, e não previamente. Por fim, que isto ocorra no horário nobre do congresso e na sala principal. 

Da nossa pesquisa sairão os nossos e novos valores. 

Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. 

Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. 

Vinculação Acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação.

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