Foto: Cristina Passos e Edleuza Silva |
30 anos da lei ambiental, que fazer para cumpri-la? artigo de Washington
Novaes
[O Estado
de S.Paulo] Dia 31 de agosto completará 30 anos a Política Nacional do Meio
Ambiente, consolidada na Lei 6.938. Que balanço se pode fazer dessas três
décadas?
Publicado em junho 20, 2011 por HC
Tags: legislação ambiental, reflexão, sociedade
A lei surgiu no momento em que o
mundo se preocupava com os primeiros relatórios sobre o buraco na camada de
ozônio, sobre a intensificação de mudanças climáticas em consequência de ações
humanas, com as altas taxas de perdas de florestas. O temor das consequências
do buraco na camada de ozônio, até sobre a saúde humana (câncer de pele,
principalmente), levaria a um dos raríssimos acordos globais na área dita
ambiental: o Protocolo de Montreal, de 1987, que determinou a cessação do uso
de gases CFC, principalmente em sistemas de refrigeração. Clima e
biodiversidade (em perda acelerada) constituiriam os objetos centrais da
conferência mundial Rio-92, que aprovaria uma convenção para cada área, além da
Agenda 21 global e de uma declaração sobre florestas.
A lei era surpreendente e
ambiciosa para um tempo de regime militar, em que a palavra de ordem central e
excludente de outras preocupações era o crescimento a qualquer preço do produto
interno bruto – a ponto de, numa entrevista coletiva no início da década de 70,
quando perguntado pelo autor destas linhas sobre o que o governo pretendia
fazer diante das notícias do forte aumento do desmatamento no Centro-Oeste e no
Noroeste com o asfaltamento da BR-364, o então todo-poderoso ministro Delfim
Netto haver respondido: “Nada. Você está querendo inverter a ordem natural das
coisas. Primeiro vem o faroeste, só depois é que chega o xerife; você está
querendo que o xerife chegue primeiro”. Só agora, 40 anos depois, em depoimento
no livro O que os Economistas Pensam da Sustentabilidade, de Ricardo Arnt, o
ex-ministro admite que jamais pensou que viesse um dia a preocupar-se com o
consumo excessivo de recursos naturais, além da capacidade de reposição do
planeta. Mas a lei já dizia que um de seus objetivos era “compatibilizar o
desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico”.
Também pretendia a lei racionalizar
o uso do solo, do subsolo, da água e do ar, impor ao poluidor e ao predador a
obrigação de recuperar e/ou indenizar pelos danos causados, da mesma forma que
impunha ao usuário a obrigatoriedade de “contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos”. Pretendia ainda levar “as atividades
empresariais públicas ou privadas” a serem exercidas em “consonância com as
diretrizes da política”.
Talvez o maior êxito dessas três
décadas seja a construção de uma consciência social nessa área – embora
frequentemente ela não se traduza em avanços práticos. Ainda há poucos dias foi
divulgada pesquisa de várias instituições segundo a qual 95% das pessoas
ouvidas não concordam com modificações no Código Florestal que permitam
plantações e pecuária em áreas de preservação permanente, como encostas, topos
de morros e margens de rios. E querem que cientistas sejam ouvidos, além de não
concordarem (79%) com anistia a desmatadores.
A questão central não resolvida
pela lei está na carência de recursos para implantação de políticas e
fiscalização eficiente. Já se tem comentado aqui que o Ministério do Meio
Ambiente tem pouco mais de 0,5% do Orçamento federal e que também nos Estados e
municípios os recursos são escassos. Não é por acaso, assim, que já tenham sido
desmatados uns 20% do bioma amazônico, mais de 93% da Mata Atlântica, mais de
50% do Cerrado e da Caatinga. E que esse desmatamento, aliado a queimadas, seja
a causa principal das emissões de gases que contribuem para mudanças
climáticas.
Um balanço mostrará também que a
área dos recursos hídricos continua muito preocupante, com todas as bacias, da
Bahia ao Sul, em “situação crítica”, além de a Agência Nacional de Águas prever
que mais de metade dos municípios brasileiros terá problemas graves em prazo
curto. Uma das razões está no escasso cumprimento do dispositivo que manda
criar comitês de gestão das bacias e pagamento por todos os usos da água – com
os recursos aplicados nas próprias bacias. Entre os poucos comitês que
funcionam, a maioria fica no Estado de São Paulo. Mas o próprio governo federal
contribui para a pouca efetividade da lei quando não acata a decisão de um
comitê como o da Bacia do Rio São Francisco, que por 44 votos a 2 se manifestou
contra o projeto de transposição de águas. O governo levou o tema para o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos e ali o aprovou, com a maioria de votos
que tem, sozinho. Para a preocupação na área da água contribui também o
inadmissível déficit no saneamento, com metade dos brasileiros sem dispor de
rede coletora de esgotos e menos de 30% do que é coletado ter algum tratamento
– por isso o despejo de esgotos in natura é a principal causa da poluição dos
recursos hídricos e da veiculação de doenças transmitidas pela água. Sem falar
no desperdício, por vazamentos, de mais de 40% da água que passa pelas redes de
distribuição.
Outra obrigatoriedade criada pela
lei e não cumprida é a que manda cobrar do poluidor os custos por ele gerados.
Quem se lembra disso na área da poluição do ar e nos custos que gera para o
sistema de saúde, ou na implantação dos sistemas viários urbanos e de rodovias?
Ou na área do lixo?
Talvez importantes avanços possam
vir a ser feitos quando se levar à prática a exigência de uma resolução (1/86)
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que manda “contemplar todas as
alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a
hipótese de não execução do projeto”. Iniciativas como a transposição de águas
do Rio São Francisco ou a Hidrelétrica de Belo Monte resistiriam a uma análise
dessa natureza? Ou o plano de usinas nucleares?
Cabe à sociedade exigir, neste
30.º aniversário, que a lei seja integralmente cumprida.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em
O Estado de S.Paulo.
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