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Não ser Perfeita

Não ser perfeita e ser inacreditavelmente ideal fazem parte do processo de transformação por algo que acreditamos ser melhor – ensino, pesquisa e extensão – sejam bem vindos à Botânica: do Hobby à Profissão.

E ser inacreditavelmente ideal

Hobby – atividade de entretenimento, passatempo, mania.

Faz parte do processo de Transformação

Atividade de extensão desenvolvida no Caps II, em Vitória da Conquista, com alunos de biotecnologia e farmácia da UFBA, usuários e funcionários.

Pesquisa e Luta

Plantas medicinais, plantas que curam, o remédio que vem da natureza. Eficácia no tratamento de vários sintomas e doenças também requer cuidados no seu uso. O natural pode fazer mal.

Por algo que acreditamos ser melhor

Alimentos funcionais – a saúde na mesa de forma barata e prática.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Urgências das universidades


Este é um texto do Carlos Vogt, encontrado na Revista ComCiência que vale a pena ser lido para uma discussão maior a respeito dos problemas vivenciados nas universidades.


Universidades: urgências

No simpósio sobre A universidade e os desafios da inovação, de que participei como expositor, na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, em setembro de 2001, além de aspectos estruturais atinentes ao tema, duas questões foram fortemente enfatizadas por mim, por outros participantes da mesa e nas intervenções do público.

O texto que apresentei - Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios e contraponto - e que pode ser encontrado na revista ComCiência, nº 25, de setembro de 2001 ou no Observatório da Imprensa, nº 138, de 12/09/01, ou ainda no JCmail, nº 1874, de 14/09/01, frisa essas duas questões e as coloca como fundamentais para o bom desempenho de nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação.

A primeira dessas questões diz respeito à urgente necessidade de se ampliar o mercado de trabalho, tanto acadêmico, quanto empresarial, no Brasil, para que possam ser absorvidos os mestres e doutores que, a cada ano, se formam em número cada vez maior pelas nossas universidades ou por programas no exterior. No ano de 2000 foram 5.700 doutores e 17.000 mestres. Em 2001, 6.000 doutores e 20.000 mestres. Dos 5.700 doutores formados em 2000, menos da metade tem vínculo de trabalho. Esses números tendem a aumentar, tanto pelo lado dos que se formam quanto pelos que, titulados, não encontram trabalho formal em universidades ou em centros de pesquisa acadêmicos ou empresariais.

A apreensão entre os que estudam fora do país é também crescente, pois não vêem, com a perspectiva da volta, possibilidade de encontro de trabalho nas áreas de sua formação e de sua competência. O assunto é, pois, urgente e é com urgência que é preciso motivar o nosso mercado empresarial para o problema: sem pesquisadores nas empresas não há inovação tecnológica, nem inovação de produtos e, em conseqüência, não há competitividade e o país fica a ver navios, não os que exportam o que produzimos, mas os que chegam para trazer o que importamos. Enquanto, é claro, pudermos pagar.

A segunda questão, que se liga à questão anterior, pelo menos no que diz respeito à expansão do mercado acadêmico, é a da qualidade do ensino oferecido pelo sistema privado de universidades no Brasil. Como se sabe, além do baixo índice populacional na faixa de 18 a 24 anos com matrícula em cursos superiores (cerca de 11% apenas), 65% do total dessas matrículas estão em instituições privadas. Quando considerado apenas o estado de São Paulo este número sobe para algo em torno de 84%.

Quando se considera o número de doutores e, por exemplo, o número de projetos na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tem-se, contudo, um quadro em que se sobressai, de modo espetacular, o sistema público de ensino superior, conforme se pode verificar pelos dados abaixo:





Instituições superiores de ensino e de pesquisa no estado de São Paulo
Número de doutores e de projetos Fapesp
 
Número de Doutores
%
Números de projetos FAPESP
%
Instituições públicas de ensino e pesquisa
4.596
66.9
6.404
85.3
Instituições públicas de pesquisa
1.141
16.6
678
9.0
Total públicas
5.737
83.5
7.082
94.4
Instituições particulares de ensino e pesquisa
1.136
16.5
424
5.6
Total pública + particulares
6.873
100
7.506
100

Algo disso tem, sem dúvida, a ver com a estrutura jurídico-institucional do sistema privado de ensino superior, profundamente comprometido, de um modo geral, com os aspectos comerciais da educação como negócio e, conseqüentemente, com os fins lucrativos do empreendimento. É preciso dar, definitivamente, um sentido público ao sistema de ensino superior, como um todo, que é, por definição, um bem público.

Transformar a estrutura jurídico-institucional do ensino superior privado no país e dar-lhe um caráter eminentemente fundacional, sem fins lucrativos, é, pois, desafio premente e tarefa inadiável. E é claro, para que não haja solução de continuidade, por resistências e lobbies corporativos e por vazios de financiamento, pode-se legislar para frente, o que já seria uma mudança de qualidade enorme no quadro institucional de nossas universidades e uma condição de qualidade sem precedentes aos requisitos de funcionamento de nossas escolas superiores.

E para que não se invoquem argumentos privatistas baseados na experiência de outros países, é bom que se diga, desde logo, que na Inglaterra 99% dos alunos estão em universidades públicas, na França, 92,2% e nos Estados Unidos, avocado sempre como campeão do privativismo, 78%, como se pode ver pelo quadro abaixo...




Tipos de cursos
Cursos de 4 anos
Cursos de 2 anos
Totais por tipos de instituição
%
Instituições públicas
5.814.545
5.277.255
11.091.800
78,0%
Instituições privadas sem fins lucrativos
2.853.890
74.920
2.928.810
20,6%
Instituições privadas com fins lucrativos
100.817
105.388
206.205
1,4%
Totais por tipos de cursos
8.769.252
5.457.563
14.226.815
100,0%

No âmbito das condições estruturais de funcionamento das universidades públicas federais, é sempre oportuno lembrar a necessidade, até agora reconhecida, mas de solução sempre postergada, de constituir-se a sua autonomia de gestão financeira, experiência que por mais de uma década vem sendo levada a efeito pelas universidades estaduais paulistas com resultados que, podendo ser continuamente melhorados nos ajustes finos, têm-se mostrado, contudo, conceitual, metodológica e operacionalmente eficientes, eficazes e de alta relevância para a qualidade do ensino da pesquisa e dos serviços prestados pela USP, pela Unicamp e pela Unesp.

Ligado a essa falta de autonomia de gestão financeira, apresenta-se o problema crônico da total falta de uma política de recursos humanos para as universidades federais que se reflete de forma poderosamente negativa na política salarial dessas instituições que, padecendo ainda de um outro mal endêmico - o da carência de políticas regulares e sistemáticas de fomento -, correm o sério risco de não só terem comprometidas suas atividades fim, como o de, por isso, comprometerem, sem volta, qualquer iniciativa de planejamento programático do setor de ciência, tecnologia e inovação.

A imprensa, de um modo geral, tem dedicado atenção particular ao momento delicado por que passa o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil. E mais delicado ainda, quando se considera que, sem dúvida alguma, se trata do melhor e mais bem montado sistema da América Latina, o que colabora para pôr em evidência os problemas por que estamos passando.

Sobre um fundo de arquitetura inteligente e, teoricamente, bem estruturado, sobressai o problema crônico da irregularidade dos repasses de recursos para as instituições públicas de pesquisa e para os grandes programas inovadores, produtos desse desenho. É o caso dos Núcleos do Programa Nacional de Excelência (Pronex), do CNPq, que entre outras adversidades econômicas já enfrentadas, só deverão receber os recursos de 2002 em 2003, quando o atual governo já terá dado lugar ao novo governo eleito.

As universidades federais espalhadas pelos estados brasileiros vivem momentos críticos em virtude do atraso de repasses, a ponto de uma grande instituição como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegar ao estado de inadimplência e ter a energia elétrica cortada por falta de pagamento. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada em 1º de novembro, outras universidades estão vivendo situação semelhante, sob ameaça de fecharem o ano sem poder pagar fornecedores, sempre pela mesma razão, a irregularidade e o atraso no repasse de recursos.

O mesmo fenômeno tem ocorrido com o CNPq e, há pouco tempo, foi necessária a intervenção direta do presidente da República para que o órgão pudesse retomar o fluxo contínuo no dispêndio de recursos já concedidos e contratados.

Os fundos setoriais, que são parte importante desse desenho original e criativo do sistema de C, T&I brasileiro, não conseguiram executar, no geral, mais do que 20% dos recursos que se anunciavam quando de sua criação.

O fato é que a irregularidade econômico-financeira constante acaba por gerar a assistematicidade técnica do sistema, de modo que o que era ótimo virtualmente acaba por ser menos que sofrível na realidade.

O outro efeito perverso, decorrente do mesmo fenômeno, é a total falta de possibilidade de qualquer planejamento, efeito esse que perpassa, como uma corrente de alta voltagem, negativa, toda a espinha dorsal do sistema, desde a sua arquitetura organizatória, no centro, até a execução, pelos usuários dos programas financeiros, nas pontas.

Embora não seja condição suficiente para solucionar esses problemas, a autonomia de gestão financeira dessas instituições é, contudo, condição necessária para deles tratar de forma adequada e eficaz.

A experiência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), criada, no Estado, em 1962, e das universidades estaduais paulistas, desde 1989, mostram o acerto e a justeza das decisões que instituíram a sua plena e total autonomia de gestão financeira.

No caso da Fapesp, que recebe, por lei constitucional, 1% da receita tributária do Estado ao longo de seus 40 anos de existência, a possibilidade de seu bom funcionamento está diretamente ligada à sua autonomia e, conseqüentemente, à sua capacidade de planejamento e de provisionamento dos projetos concedidos e das despesas contratadas.

A importância dessa autonomia, e da capacidade de planejamento decorrente, cresce ainda mais nos momentos críticos, como esse da crise cambial que afeta o coração da pesquisa brasileira, já que a grande maioria dos equipamentos e dos insumos necessários ao seu desenvolvimento é importada e, assim, contratada e paga em dólar.

Com autonomia e planejamento a Fapesp tem conseguido, juntamente com a comunidade científica paulista, responsável por mais de 50% da produção brasileira no setor, singrar o mar revolto das adversidades cambiais e navegar, com expectativa confiante para mares mais propícios de estabilidade nos cenários econômicos nacionais e internacionais.

Nesse sentido, no momento de mudanças políticas por que passa o País, não é demais lembrar que, embora não seja panacéia, adotar a autonomia de gestão financeira das instituições federais de fomento à pesquisa e também das universidades públicas federais, seria uma boa iniciativa do novo governo e uma boa forma de iniciar, na prática, um bom diálogo com a comunidade científica nacional que há muitos anos luta, reclama e propugna por ela.

Fonte

VOGT, Carlos. Universidades: urgências. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni01.shtml>. Acesso em: 22 set. 2003.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O sistema de avaliação da educação superior no Brasil.

Claro que devemos melhorar!
Mais um texto que li, muito interessante:


O sistema de avaliação da educação superior no Brasil
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC) tem examinado a situação do ensino superior no Brasil sob ópticas diferentes e complementares. O Censo da Educação Superior, a Avaliação Institucional, a Avaliação das Condições de Ensino e o Exame Nacional de Cursos (ENC) formam um sistema abrangente que mostra qualitativa e quantitativamente a situação da educação superior no País.
O censo, realizado anualmente, faz um retrato do ensino superior a partir da coleta de um amplo leque de informações, como número de alunos, concluintes, cursos, instituições e docentes. A Avaliação das Condições de Ensino é realizada quando o curso necessita do credenciamento ou da sua renovação. Trata-se de uma verificação feita por uma comissão de professores que analisa o curso no seu próprio local de funcionamento, considerando o corpo docente, a infra-estrutura e o projeto didático-pedagógico.
A Avaliação Institucional é uma verificação aos moldes das Condições de Ensino, que leva em conta as mesmas dimensões, além de considerar também o Plano de Desenvolvimento Institucional. É realizada cada vez que uma instituição de ensino superior procura se credenciar e, depois disso, repetida a cada quatro anos. Além dessas avaliações, operacionalizadas pelo Inep, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) faz ainda a avaliação dos cursos de pós-graduação, completando assim o quadro das condições do ensino superior no País.
O ENC, que atribui um conceito ao curso a partir de uma prova aplicada aos formandos, é uma parte apenas desse sistema. E, embora o exame tenha assumido uma dimensão hipertrofiada, ele deve ser colocado em sua devida proporção: apenas um dos vários instrumentos adotados no âmbito do Ministério da Educação para conhecer a realidade da educação superior.
Algumas características do ENC podem ser apontadas pela sua exacerbada repercussão. O ENC é obrigatório, embora não corresponda a um dever cívico, nem gere direitos. É exatamente o contrário: não fazê-lo gera punições. O resultado do exame leva a um ordenamento dos cursos superiores, sem significar necessariamente que os classificados entre os piores sejam ruins e os classificados entre os melhores sejam bons. Em certas áreas do conhecimento, cursos com nota D são perfeitamente aceitáveis e, em outras, cursos com B podem estar abaixo de qualquer patamar aceitável.
Uma instituição de bom nível, com um corpo docente bem preparado e condições de funcionamento adequadas, por exemplo, que esteja instalada numa região tradicionalmente carente de ensino, provavelmente apresentará nas primeiras turmas de formandos desempenho aquém do que seria desejado. Entretanto, essa é uma situação transitória que será superada. Após um período de tempo mais longo, se a instituição causar uma interferência no desenvolvimento cultural e escolar na região, os estudantes passarão a ter um desempenho adequado. Neste caso, uma nota baixa no ENC não traduz essa situação específica e penaliza um esforço de melhoria de um quadro educacional.
Por outro lado, um curso com conceito A no ENC numa região bastante densa e desenvolvida do País pode adicionar pouco conhecimento aos estudantes. É o que acontece quando os jovens que têm acesso ao ensino superior possuem, previamente, uma sólida formação educacional e cultural. Neste caso específico, a nota A pode refletir muito mais este perfil de entrada do que propriamente aquilo que o curso proporcionou de ganho em termos de conhecimento.
Uma outra questão é o boicote, que faz com que excelentes cursos fiquem colocados entre os piores e, como conseqüência, alguns entre aqueles com desempenho E sejam guindados ao conceito D, outros que deveriam ter recebido D recebem C, e assim por diante. Finalmente, uma outra razão que ampliou as dimensões do ENC foi a enérgica oposição tomada por associações ligadas a avaliações de cursos em várias áreas do conhecimento, pesquisadores da área educacional e entidades estudantis e científicas. Isso tudo serviu para chamar a atenção para o ENC, ofuscando, conseqüentemente, os outros estudos sobre o ensino superior brasileiro e outras possibilidades de avaliação mais comprometidas com a realidade nacional e com os anseios da sociedade.
O programa do Presidente Lula apresentado à sociedade afirmava claramente a necessidade de rever o Exame, e o Ministério da Educação, coerente com esta diretriz, tem proposto o seu aperfeiçoamento. Para isso, vamos ouvir pessoas e associações e estudar os outros mecanismos de avaliação já em uso no Brasil e aqueles utilizados em outros países.
Não podemos deixar que a luz do holofote lançada sobre o ENC nos ofusque e nos impeça de estudar os resultados de todos os processos de avaliação do ensino superior de forma a diagnosticar seus problemas e apontar possíveis soluções. É preciso lembrar também que o sistema de avaliação construído durante o governo FHC tinha uma perspectiva liberalizante para a educação, completamente diferente da proposta do governo Lula.
Otaviano Helene é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC).

 

Fonte

HELENE, Otaviano. O sistema de avaliação da educação superior no Brasil. SBPC/Labjor Brasil, 10 fev. 2003

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mais um texto sobre o ensino superior.

Mais um texto, dentre as minhas leituras, que saõ bem interessantes para incrementar as discussões a cerca do ensino superior no Brasil.

O ensino superior


O Ensino superior no mundo inteiro passou, nos últimos anos, a fazer parte do rol de temas encarados como prioritários e estratégicos para o futuro das nações.

Generaliza-se a convicção de que o desenvolvimento requer, cada vez mais, uma decisiva ampliação dos níveis de escolaridade da população. Para as nações que já souberam incorporar as crianças e jovens ao ensino fundamental e médio, tratar-se-ia de enfrentar o desafio da universalização do acesso ao ensino superior. Estima-se que esta abertura exige, por sua vez, uma ruptura com os padrões e modelos rígidos e em muitos casos indiferenciados de ensino superior ainda prevalecentes em muitos países. A educação superior, neste processo de transformações, não poderia se furtar ao aproveitamento das novas tecnologias de informação e comunicação.

As necessidades do desenvolvimento e com elas o novo perfil da demanda cobram flexibilidade e agilidade, apresentação de alternativas de formação ajustadas às expectativas de rápida inserção num sistema produtivo em constante mudança. O novo mercado de trabalho, que se engendra neste processo de transformações econômicas, mostra-se cada vez mais exigente no tocante ao domínio de conhecimentos, capacidade de aplicá-los criativamente na solução de problemas concretos, espírito de liderança e polivalência funcional, bem como adaptabilidade à mudança tecnológica.

De outra parte, a produção de conhecimento e a necessidade de se contar com quadros sempre maiores de pesquisadores e técnicos altamente capacitados para a pesquisa científica e tecnológica não perdem importância, multiplicando demandas ao sistema de ensino superior e tomando mais complexas suas relações com o estado, os setores produtivos e a sociedade em geral.

O impacto das novas pressões sobre o ensino superior é sentido e será equacionado de modo muito diferente pelos países, em virtude da história de seus sistemas de ensino, da sua organização e da maior ou menor capacidade política de se proceder a mobilização dos recursos necessários e a implantação de políticas pertinentes. A disposição para investimentos públicos e privados duradouros e convergentes com os objetivos que se pretende alcançar são imprescindíveis neste contexto.

O Brasil se insere, neste quadro, de modo muito peculiar. De um lado, começa a experimentar com intensidade os efeitos das grandes transformações em curso e não pode se esquivar das mesmas questões que preocupam as nações mais desenvolvidas. De outro, carrega o ônus de possuir um sistema de ensino superior (e de resto de educação em geral), que acumula precariedades dramáticas. Nosso sistema, em boa medida, mais pode ser caracterizado pelo que não ocorreu ou pelo que deu errado, do que pela existência de identidade definida e própria (com exceção da pós-graduação stricto sensu).

Construir um novo modelo supõe lidar cumulativamente com velhos problemas e novos desafios. Problemas estruturais estão a cobrar soluções prévias em paralelo ao encaminhamento positivo das novas urgências.

Vista no horizonte de médio prazo do sistema de ensino superior, a sociedade brasileira demanda cumulativa e simultaneamente:

a) O aumento da oferta de vagas que amplie o acesso ao sistema.

b) A ampliação das alternativas de organização e definição de missões institucionais, bem como, da oferta de cursos e carreiras, que estejam sintonizadas com as demandas substantivas dos estudantes e com a definição de projetos pedagógicos compatíveis com os desafios da modernidade.

c) A elevação significativa nos padrões de qualidade do ensino reconhecendo-se as peculiaridades das missões e dos projetos institucionais.

d) Adequada estrutura de financiamento do sistema, capaz de conciliar as exigências de um ensino de ótimo nível com os orçamentos públicos e com a renda familiar da população. Adiante, pretende-se qualificar e inventariar os diferentes aspectos e dimensões atinentes a este complexo de desafios. Ao se fazer isto, pretende-se explicitar o que parece ser inevitável em termos de mudança nas políticas para o ensino superior.

*Abílio Afonso Baeta Neves é secretário de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto.

Fonte
NEVES, Abílio Afonso Baeta. O ensino superior. [S.l.: s.n].

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Universidade para a crise, universidade para todos?

Gente, li um texto esses dias muito interessante do Cristovam Buarque, escrito em 1995 e que atende aos dias de hoje. Vou transmitir pra vcs e quem sabe incrementar os comentários a respeito do assunto. Fiquem à vontade.


Universidade para a crise

A retomada de qualidade


Consciência da perda


O primeiro passo para a retomada da qualidade na universidade está dado com os sentimentos de angústia e insatisfação, que decorrem da consciência da perda de qualidade. De certa forma, até a apatia é manifestação positiva, se for comparada com a euforia iludida e orientada em busca de melhorar a qualidade definida em termos obsoletos. Nesse sentido, a universidade brasileira está na frente das demais instituições nacionais. A grande insatisfação já existe. Poderá caminhar para longo niilismo apático ou para a rebeldia, e, daí, à reformulação com a redefinição do conceito de qualidade e à retomada desta nova qualidade.

Fermentação


Felizmente, em vez de cair na ilusão da falsa qualidade, este conjunto de sentimentos se manifesta, forçando a fermentação necessária à retomada da qualidade de fato.

Nos últimos anos, considerável parcela da comunidade está mobilizada constantemente em atividades muitas vezes diferentes das tradicionais. Muitos, estáticos, acreditam que este ativismo nada tem a ver com a academia. São os que não vêem a necessidade de mudanças. Os que vêem, sabem que a universidade, longe de estar apática, está viva.

Condução da rebeldia


Há em muitos o desejo de fugir da angústia do sem-rumo através de proposta imediata que empolgue e conduza a comunidade de volta apenas ao tradicional trabalho acadêmico. Esta alternativa não servirá para o momento. O papel de liderança conseqüente, hoje, é criar e garantir as condições para liberar toda criatividade existente, através de:

  • absoluta abolição do medo, mesmo com as complicações gerenciais que isso provoca;
  • sugestão de concepções radicais de universidade que esteja na vanguarda dos problemas, mesmo com o risco de incomodar;
  • incentivo total e apoio firme às idéias da comunidade, mesmo com o risco da perda de credibilidade por não conseguir realizá-las integralmente;
  • criação das condições de infra-estrutura para manter o clima de crescimento, mesmo que os recursos sejam escassos;
  • alerta permanente para o problema da qualidade e a realização de toda e qualquer ação que ajude a melhorá-la desde já, sobretudo através da constante avaliação e autocrítica;
  • avaliação, provocação e cobrança de alunos por professores, de professores por alunos e de funcionário pela administração, quebrando-se o chamado pacto da mediocridade, na prática do dia-a-dia do ensino.

Visão global do universo do conhecimento


Lamentavelmente, a maioria dos corpos docente e discente das universidades ainda assume a visão moderna de que o pensamento segmentado da especialização é o caminho mais eficiente para o avanço do conhecimento. Com isso, a universidade generalizou a prática do pensamento isolado dentro de cada departamento, perdendo não apenas a dimensão global de cada tema e objeto real de estudo, mas, sobretudo, a dimensão humanista do pensamento.

As tentativas dos cursos por créditos, cursos básicos e profissionalizantes, não permitiram a formação de pensamento integrado e humanista. Esta formação exigirá prática diferente do trabalho universitário, onde o professor e o aluno saiam do enclausuramento de seu departamento para a pesquisa multidisciplinar por tema, participando de atividades humanistas que permitam a universalização do saber.

Publicização do ensino estatal


O Brasil vive raro momento em que o ensino superior estatal é criticado em nome da justiça social. As universidades dos estados são ocupadas, gratuitamente, pelos filhos das classes média e alta; nas universidades particulares ficam os demais.

Nessas condições, parece ser mais justo cobrar dos ricos a escola superior que seus filhos freqüentam. Esta concepção de justiça social incorre em três erros: ilusão quanto às características sociais da população universitária; desconhecimento do custo de manutenção da universidade; e falsa visão do papel da universidade.

Mesmo considerando que o sistema de escolha, por vestibular, favoreça o ingresso dos filhos dos ricos nas escolas públicas, é falso dizer que nas universidades particulares estão os filhos dos pobres. No Brasil, raramente os pobres passam da escola primária.

A alternativa de que os ricos paguem por seus filhos também não soluciona o problema. São tão poucos os que poderiam pagar a taxa média do custo da universidade que essa contribuição seria insignificante para o financiamento global da universidade. Em compensação, o fato de pagar daria, a esses poucos, poder e direito sobre a universidade, forçando-a a adaptar-se aos seus interesses particulares, que consistem, obviamente, na obtenção de um passaporte à promoção individual como forma de recuperar os seus gastos. Essa situação apenas se justificaria para os que concebem o curso universitário como investimento financeiro.

O mesmo ocorreria se a universidade fosse financiada diretamente por empresas: as indústrias montariam escolas de engenharia; os donos de hospitais, faculdades de medicina. Estas empresas, como proprietárias, aprisionariam as escolas em seus interesses e racionalidades, buscando o máximo de retorno no prazo mais curto. atendendo apenas à demanda dos ricos.

A injustiça da universidade pública não reside no fato de que nela só entram os filhos dos ricos – isso é injustiça social. A injustiça da universidade está em que todos aqueles que dela saem trabalhem apenas para os ricos, em decorrência da estrutura, do currículo e dos métodos de trabalho. Formar e ser elite intelectual não é erro, é obrigação. Errado é só servir à elite econômica e social.

Em uma sociedade em transformação, como a brasileira, a universidade não deve limitar-se a encontrar pequenas respostas, deve formular grandes e novas perguntas. Isso não é possível com alunos, pais de alunos ou empresas buscando retorno imediato de seus investimentos. O momento exige a mais absoluta liberdade de pensamento e o compromisso maior com o destino do país, o que só é possível com o ensino superior público-e-gratuito para todos os que tenham condições intelectuais de aproveitá-lo, assumindo o compromisso de usar socialmente os conhecimentos obtidos.

O grande desafio da universidade brasileira para os próximos anos não é privatizar o ensino estatal, com base em míopes e equivocados conceitos de justiça; é tornar pública a universidade hoje apenas estatal, pondo-a a serviço do público. A universidade pública deve transformar-se para formar profissionais que atendam às necessidades da população e da construção do futuro da nação, em vez de atender apenas à demanda atual da minoria rica.

Ao mesmo tempo que restringe seus cursos aos mais competentes, a universidade deve desenvolver mecanismos para levar seu potencial educativo a toda a população, através de programas de extensão, ensino a distância, treinamentos etc. Ao lado do compromisso de servir ao público, o maior compromisso da universidade pública é o de fazê-lo com o máximo de qualidade. Por isso, a publicização da universidade estatal passa pela manutenção de rígidos critérios de seleção.

Fonte

BUARQUE, Cristovam. Universidade para a crise. Advir, Rio de Janeiro, nº 6, jul. 1995, p. 36-48.

domingo, 26 de agosto de 2012

Cabe à Universidade...

ACTA 11 realizada na UFBA
1- preservar as conquistas culturais da humanidade, contribuindo para a harmonização das barreiras ideológicas que segmentam os povos - quais seriam essas barreiras ideológicas? Será necessário realmente um sistema de cotas para ingressar na universidade? Até que ponto é realmente necessário baixar a nota média para que o aluno consiga seguir o fluxo de disciplinas? É fato que a população em geral tem baixo conhecimento, seja em qualquer área e não é justificativa para "facilitar" o ingresso e a continuidade dessas pessoas dentro do ensino, seja ele público ou particular. O que as pessoas devem entender é que apenas com educação se consegue uma qualidade de vida adequada e almejada por qualquer pessoa. Quando entro em uma escola pública e vejo que boa parte dos alunos não prestam atenção na aula, tento imaginar uma maneira de prender sua atenção, de tornar uma aula "chata" em algo que ele consiga converter para o seu dia a dia. É o que faço com projeto de extensão que apelidamos de "Botânica nas escolas" o qual tentamos envolver o aluno em assuntos relacionados ao curso, seja ensino fundamental ou médio, de uma maneira lúdica, leve e participativa, com aulas práticas, jogos e brincadeiras, além de vídeos e palestras. Quando entro em uma escola pública do Estado da Bahia e vejo que há laboratórios disponíveis e que não são utilização penso: onde está o problema? Primeiro há dificuldade do professor em levar todos os alunos (geralmente as turmas possuem 40 alunos), segundo porque infelizmente alguns furtam pequenas coisas, sejam lâminas de microscópios, as próprias lentes dos microscópios, coisas que fora do laboratório não têm utilidade nenhuma, e terceiro porque com estes dois primeiros pontos os professores não possuem nenhum tipo de incentivo (e olhe que não falo do financeiro). Mas o que mais me estimula é que mesmo se eu conseguir conquistar um aluno por turma que trabalho (e às vezes percebo que há mais que um nesse mundo de 40 por turma), esse aluno vai descobrir o mundo, como ele poderá mudar sua vida, como poderá conquistar seu emprego, gostar da área que trabalha e conseguir conquistar seu futuro, seu sustento e possivelmente de sua família.
Horta mantida no CAPS
2- Cabe à universidade estender os conhecimentos que produz à comunidade, contribuindo para a resolução tanto dos crônicos problemas sociais quanto dos que vierem a surgir - não dá pra fazer ciência pra ficar restrita apenas na academia. Existem aqueles trabalhos extremamente técnicos e específicos que não contribuem diretamente para a resolução desses problemas da sociedade mas se pensarmos bem, existem muitas atividades feitas no âmbito das universidades e que não são transmitidos para a população. Para a sociedade a universidade tem o papel apenas de formar seus profissionais, formar o cidadão para que ele consiga seu emprego e sustento, mas há muito mais do que isso. Produção de conhecimento, ciência e tecnologia inovadora que leva o Brasil à frente de outros países. Nossa tecnologia é tão capaz quanto a de outros países, o que precisamos é que nossos pesquisadores sejam estimulados a produzir!
Visita dos alunos à EMBRAPA - CNPMF
3- Acompanhar os movimentos do mercado de trabalho, contribuindo para o atendimento da demanda de mão-de-obra profissionalmente especializada - precisamos formar pessoal capacitado para que retorne à sua cidade de origem ou que incremente outros pólos e não apenas inche o mercado de trabalho das capitais. Quando participei da comissão de reforma curricular do curso de ciências biológicas no qual ensino, o foco principal era formar um biólogo capaz de suprir as necessidades de mercado da região E também um profissional capaz de assumir outros pólos de mercado. 
Horta mantida em postos de saúde, disponíveis à população
4- Cabe à universidade antever cenários futuros, contribuindo para a formação de especialistas que se dediquem à produção do conhecimento em todas as áreas de conhecimento - não adianta viver no presente, precisamos pensar no futuro e promover formas de melhoria de qualidade de vida para a população.

sábado, 25 de agosto de 2012

Um pouco sobre a história das Universidades.

Olá pessoal, depois de mais algum tempo offline, mais uma vez estou aqui colocando um pouquinho da leitura não apenas sobre botânica, aquela botânica feita em casa com aquelas plantinhas que colocamos em nosso jardim, seus cuidados, mas também aquela botânica científica, acadêmica, realizada dentro das universidades e institutos de pesquisa, sejam públicos ou particulares.
Dessa vez porque estou fazendo mais um curso, dentro do leque oferecido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Aproveito a oportunidade também para divulgar a própria instituição, visitem o site e façam alguns dos diversos cursos oferecidos: http://www5.fgv.br/fgvonline/Cursos/ Alguns são rápidos e gratuitos, totalmente online, e outros são pagos.
Voltando ao assunto, estou fazendo um curso sobre o papel da universidade na sociedade e como professora de uma universidade, consciente do meu papel junto à sociedade, até por causa da realização de atividades de extensão, sinto também a necessidade de me atualizar e por isso esse curso.
Gostaria de divulgar uma matéria sobre a história das universidades publicada no endereço: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni03.shtml e onde há disponíveis várias outras matérias também muito interessantes.
Sempre digo aos meus alunos: a leitura é essencial, precisamos aprender, sobre tudo. Hoje livros de vários tipos, artigos científicos, matérias de jornais fazem parte do meu leque de materiais para melhorar meu conhecimento e é incrível o quanto há de informação lá fora, apenas esperando para ser assimilada.
Segue a matéria:
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Do império à atualidade: marcas de continuidade na história das universidades
A transferência da família real para o Brasil transformou o país em sede da coroa portuguesa. Essa mudança impulsionou a implementação de medidas administrativas, econômicas e culturais para estabelecimento da infraestrutura necessária ao funcionamento do império. A criação dos primeiros estabelecimentos de ensino superior buscava formar quadros profissionais para os serviços públicos voltados à administração do país. As áreas privilegiadas eram: medicina, engenharia e direito. Em 1808, foram criados os primeiros estabelecimentos de ensino médico-cirúrgico de Salvador e do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro foi cenário de outras iniciativas culturais e científicas, como a criação da Imprensa Régia, da Biblioteca Nacional e dos primeiros periódicos científicos.

Faculdade de Medicina, uma das duas primeiras do país,
que atualmente integra a UFBA
Na história da ciência e tecnologia, são as continuidades que chamam a atenção da professora Silvia Figueirôa, especialista em História das Ciências, do Instituto de Geociências da Unicamp. "Não teríamos chegado ao desenvolvimento científico e tecnológico que temos hoje se não tivesse sido construída uma tradição em pesquisa desde, pelo menos, o século XVIII", afirma a professora. Atravessando o tempo, estão presentes na cultura das universidades atuais, formas de pensar e atuar que marcaram o tempo do império. A forma de buscar o novo nas universidades, por exemplo, ainda é feita muitas vezes à moda de Dom Pedro II. Este, vendo a necessidade de modernizar a ciência e tecnologia brasileira, viajava, se empolgava com o que via na Europa, e trazia modelos e profissionais para reformar as instituições brasileiras. "Ainda hoje, buscam-se pesquisadores de outros países, trazendo-os para implantar laboratórios e linhas de pesquisa no Brasil", diz a pesquisadora.

Figueirôa comenta que há um certo desprezo na literatura pelo período anterior à constituição das universidades. As análises também costumam desconsiderar a produção científica dessa época, bem como quando o sistema educacional brasileiro compreendia Insituições de Ensino Superior e Grandes Escolas, como as de Engenharia, e mesmo os colégios e seminários jesuítas, comenta; e desabafa, "a idéia de que apenas na universidade se faz ciência também permanece forte até hoje". O livro Espaços da ciência no Brasil: 1800 - 1930, editado pela Fiocruz em 2001, traz importantes contribuições nesse sentido, analisando a atuação e papel desempenhado por instituições como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Instituto Bacteriológico em São Paulo, o Instituto Butantan e também da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e da Comissão Geológica do Brasil.

A criação de universidades foi amplamente discutida por grupos sociais diversos no país, porém, apenas no século XX surge a primeira universidade brasileira. Apesar das controvérsias históricas, parece ser consensual entre os historiadores que a primeira universidade criada pelo governo federal brasileiro foi a do Rio de Janeiro em 1920, que aglutinou as Escolas Politécnica, de Medicina e de Direito já existentes. Para José Luís Sanfelice, professor do Departamento de História e Filosofia da Educação, da Faculdade de Educação da Unicamp, "é provável que esta iniciativa oficial tenha tido o propósito, dentre outros, de ditar um modelo universitário, uma vez que as ações privadas e nos estados tendiam a se proliferar sem controle. Afinal de contas, um ensino elitizado, e para as elites, não podia estabelecer-se à revelia do poder central".
Reunir escolas e/ou faculdades já fundadas, tornou-se uma marca do desenvolvimento do sistema de ensino universitário brasileiro. Baseadas na universidade do Rio de Janeiro foram criadas as universidades federais nos estados. A presença de oligarquias na criação das universidades, e os diversos acordos realizados entre o poder federativo e os estados, são apontadas como intimamente relacionados aos diversos caminhos trilhados pelas universidades brasileiras desde a sua criação. Para grande parte dos historiadores , a instauração de muitas universidades significou o desvio de recursos financeiros para os estados, local de prestígio político e de emprego para os filhos das elites.
Católicos, liberais e positivistas: projetos contraditórios para as universidades
Para compreender as diferentes posições assumidas na história pelas instituições de ensino superior brasileiras parece ser importante conhecer as principais forças políticas atuantes, seus interesses e projetos. Roberto Romano da Silva, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, destaca três grupos atuantes no século XIX: a alta hierarquia do clero católico, as lideranças civis liberais e os pensadores positivistas. Estes grupos apresentavam, na opinião do pesquisador, idéias conflitantes sobre o papel da universidade na vida política e social brasileira.

Para a igreja católica, a criação de uma universidade com hegemonia religiosa ajudaria a aumentar os quadros intelectuais a serviço do projeto religioso. A universidade nos moldes católicos privilegiaria disciplinas como: Filosofia, a Tomista, que era adotada oficialmente pela Igreja Católica e que se caracterizava pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo; Teologia; Direito, com base na doutrina social da igreja; Letras; Artes; e, quem sabe no futuro, alguns poucos setores tecnológicos. Já os liberais definiam um programa totalmente diverso dos católicos, privilegiando os setores jurídicos de estudo, as áreas humanísticas e a medicina. O projeto seria desvinculado de compromissos religiosos e buscaria assegurar as formas de autoridade, e de pensamentos, gerados pela Revolução Francesa e Revolução Industrial.
Os positivistas, defendiam idéias contrárias às duas posições anteriores argumentando que "o Brasil não precisava de universidades, mas de ensino fundamental para as massas, sobretudo no campo tecnológico". Nessa perspectiva, seria um absurdo a preocupação com o ensino universitário quando "tudo ainda estava por fazer, entre nós, em matéria de ensino primário e secundário", comenta Romano citando Pereira Barreto, um grande nome da ala positivista de 1880. Para os positivistas, o controle das universidades pela igreja prejudicaria o advento da idade científica e técnica no Brasil, e se fossem dominadas pelos liberais, transformariam o país em uma anarquia social e política, com os devaneios metafísicos que imperaram na Revolução Francesa. Defendiam, por sua vez, a criação de escolas técnicas e científicas que ensinassem as leis da natureza, e os meios de aproveitá-las em favor da humanidade.
Para Romano, o debate sobre a universidade e sua inserção na vida social ainda mantém, atualmente, as grandes linhas dessas doutrinas: "o problema da passagem da ciência à técnica, e a educação das massas populares (ensino fundamental versus ensino universitário), permanecendo o desafio de compatibilizar as garantias individuais e as necessidades coletivas, na sociedade e no Estado".
Ditadura imprime suas marcas via Reforma Universitária
A reforma universitária, gestada pelo governo militar em 1968, é considerada um grande marco na história das universidades brasileiras. Sanfelice comenta que o objetivo da reforma era "modernizar a universidade para um projeto econômico em desenvolvimento,  dentro das condições de 'segurança' que a ditadura pretendia para si e para os interesses do capital que o representava". A Lei 5540/68 introduziu a relação custo-benefício e o capital humano na educação, direcionando a universidade para o mercado de trabalho, ampliando o acesso da classe média ao ensino superior e cerceando a autonomia universitária.

Diversas medidas foram tomadas para alcançar tais metas, entre elas: a unificação do vestibular por região; o ingresso por classificação; o estabelecimento de limite no número de vagas por curso; a criação do curso básico que reunia disciplinas afins em um mesmo departamento; o oferecimento de cursos em um mesmo espaço, com menor gasto de material e sem aumentar o número de professores; a fragmentação e dispersão da graduação; o estabelecimento de matrícula por disciplina. Em 1971, foi promulgada a Lei 5692 que instituiu também a reforma do ensino fundamental, com mudanças que determinaram, por exemplo, a extinção das disciplinas de Geografia e História que foram substituídas pelo ensino de Estudos Sociais. Entre os resultados obtidos com as políticas implementadas os pesquisadores apontam: a diminuição na qualidade do ensino fundamental público, com a respectiva valorização do ensino particular, e a consequente elitização do ensino universitário, que impede até hoje o acesso de grande parte da população à universidade pública.
Mas algumas medidas tomadas, com o decorrer dos anos, resultaram em verdadeiras inversões nos objetivos iniciais das reformas do ensino superior no país determinadas pelo regime militar. A professora Albertina Lima Vasconcelos, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), conta que para satisfazer as novas determinações da Lei 5692 foram criadas várias faculdades no interior da Bahia, que deveriam formar os profissionais de licenciatura curta para atender à nova demanda em Estudos Sociais, Ciências e Letras. A professora analisa que, na Bahia, as faculdades criadas no interior foram "equívocos que acabaram dando certo". Após dez anos de extensas negociações e luta dos docentes, as faculdades foram transformadas em universidades estaduais e foram criadas as licenciaturas plenas em História e Geografia. Criadas para satisfazer o mecanismo de formação de profissionais da ditadura e promover a extensão do poder governamental pelo interior da Bahia, as faculdades impediram a migração de jovens para outras capitais e a expansão do ensino particular no interior da Bahia, promovendo o fortalecimento do ensino superior de caráter público no estado.
Analisar a história pela perspectiva das rotas de fuga dos mecanismos ditatoriais, parece ser importante, mas não apaga da história as marcas da perseguição, cassação e expulsão de pesquisadores, docentes e alunos em todo o Brasil, que não aceitaram a ditadura e a ideologia da "segurança nacional". Romano ressalta que "a universidade cumpriu muitos papéis durante o regime castrador. Alguns de seus membros foram heróicos na tarefa de manter a qualidade superior da pesquisa e do ensino. Outros, se entregaram à colaboração sem freios éticos com os donos do mando político da hora. O movimento estudantil, na época, foi um dos esteios da luta em prol da democracia e do respeito aos direitos humanos". A conivência de docentes das universidades com os militares foi registrada na Revista Adusp, da Universidade de São Paulo (USP). Uma ampla cobertura traz à tona a colaboração da reitoria da Usp com os órgãos repressivos que, inclusive, antecedem o período do golpe militar. Ao mesmo tempo a USP também teve uma intensa movimentação política de combate às condições da época realizando passesatas, assembléias, manifestos e reinvindicações que ficaram na história.
A Universidade de Brasília (UnB) também traz em sua história profundas marcas da política de desenvolvimento que imperou durante a ditadura. Em contraposição aos modelos até então existentes de universidade, na década de 60 a UNB surge com uma proposta, idealizada por Darcy Ribeiro e Frei Mateus Rocha, que buscava criar a universidade necessária para uma nação independente: mais democrática e com maior autonomia. A "universidade necessária" ficou no projeto, visto que a "universidade construída" durante o regime militar foi bastante diferente. Duramente atacada, a UnB tornou-se por meio do movimento estudantil e docente um importante foco de resistência à ditadura na própria capital da República. O site oficial da UnB apresenta um interessante artigo de Geralda Dias, professora de História das Universidades na instituição, que aborda as mudanças no projeto da UnB e relata diversos episódios da dura intervenção do governo na universidade.
Se por um lado as universidades foram consideradas focos de subversão, e a função da reforma era erradicar qualquer possibilidade de contestação, por outro lado também ocorreu uma expansão das universidades, e a reforma deveria atender aos projetos estratégicos dos militares que, sob influência da Guerra Fria, pretendiam transformar o Brasil em "potência". As universidades que tinham fortes vínculos com o governo passaram por uma modernização com ênfase na pesquisa tecnológica e na ligação com o setor produtivo. A relação entre laboratórios de pesquisa, desenvolvimento e a segurança nacional é ressaltada, e a universidade torna-se responsável pelo aumento do "capital humano". Para Sanfelice essa diretriz parece ter orientado a criação da Unicamp. Com o apoio do poder constituído, foi implantada "em função de necessidades concretas de mercado, que naquela conjuntura exigia engenheiros, químicos, físicos, biólogos, matemáticos e economistas, contando também com recursos públicos do estado e posição geo-econômica estratégica". A estas, entre outras razões, os pesquisadores atribuem o fato da Unicamp constituir-se nos dias de hoje uma referência nacional e internacional, tendo em vista sua capacidade de produção científica, produção de conhecimentos e de inovação tecnológica (leia reportagem que mostra o interesse atual das universidades pela inovação tecnológica).
Em todo o país, estudantes e professores buscam reorganizar suas entidades representativas e denunciam a transformação da universidade numa instituição muito mais estatal do que pública. Uma das grandes bandeiras de luta que surge nessa época é a autonomia universitária (leia reportagem sobre a autonomia nas universidades). O tempo passou... Constituição de 1988, nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), e a comunidade universitária no Brasil ainda discute questões que remetem ao tempo da ditadura, e sua bandeira de luta também ainda parece hasteada no mastro das agendas universitárias.
Atualizado em 10/02/2003
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