Gente, li um texto esses dias muito interessante do Cristovam Buarque, escrito em 1995 e que atende aos dias de hoje. Vou transmitir pra vcs e quem sabe incrementar os comentários a respeito do assunto. Fiquem à vontade.
Universidade
para a crise
A retomada de qualidade
Consciência da
perda
O primeiro passo
para a retomada da qualidade na universidade está dado com os sentimentos de
angústia e insatisfação, que decorrem da consciência da perda de qualidade. De
certa forma, até a apatia é manifestação positiva, se for comparada com a
euforia iludida e orientada em busca de melhorar a qualidade definida em termos
obsoletos. Nesse sentido, a universidade brasileira está na frente das demais
instituições nacionais. A grande insatisfação já existe. Poderá caminhar para
longo niilismo apático ou para a rebeldia, e, daí, à reformulação com a
redefinição do conceito de qualidade e à retomada desta nova qualidade.
Fermentação
Felizmente, em vez
de cair na ilusão da falsa qualidade, este conjunto de sentimentos se
manifesta, forçando a fermentação necessária à retomada da qualidade de fato.
Nos últimos anos,
considerável parcela da comunidade está mobilizada constantemente em atividades
muitas vezes diferentes das tradicionais. Muitos, estáticos, acreditam que este
ativismo nada tem a ver com a academia. São os que não vêem a necessidade de
mudanças. Os que vêem, sabem que a universidade, longe de estar apática, está
viva.
Condução da rebeldia
Há em muitos o
desejo de fugir da angústia do sem-rumo através de proposta imediata que
empolgue e conduza a comunidade de volta apenas ao tradicional trabalho
acadêmico. Esta alternativa não servirá para o momento. O papel de liderança
conseqüente, hoje, é criar e garantir as condições para liberar toda
criatividade existente, através de:
- absoluta abolição do medo, mesmo
com as complicações gerenciais que isso provoca;
- sugestão de concepções radicais
de universidade que esteja na vanguarda dos problemas, mesmo com o risco
de incomodar;
- incentivo total e apoio firme às
idéias da comunidade, mesmo com o risco da perda de credibilidade por não
conseguir realizá-las integralmente;
- criação das condições de
infra-estrutura para manter o clima de crescimento, mesmo que os recursos
sejam escassos;
- alerta permanente para o
problema da qualidade e a realização de toda e qualquer ação que ajude a
melhorá-la desde já, sobretudo através da constante avaliação e
autocrítica;
- avaliação, provocação e cobrança
de alunos por professores, de professores por alunos e de funcionário pela
administração, quebrando-se o chamado pacto da mediocridade, na prática do
dia-a-dia do ensino.
Visão global do universo do conhecimento
Lamentavelmente, a
maioria dos corpos docente e discente das universidades ainda assume a visão
moderna de que o pensamento segmentado da especialização é o caminho mais
eficiente para o avanço do conhecimento. Com isso, a universidade generalizou a
prática do pensamento isolado dentro de cada departamento, perdendo não apenas
a dimensão global de cada tema e objeto real de estudo, mas, sobretudo, a
dimensão humanista do pensamento.
As tentativas dos
cursos por créditos, cursos básicos e profissionalizantes, não permitiram a
formação de pensamento integrado e humanista. Esta formação exigirá prática
diferente do trabalho universitário, onde o professor e o aluno saiam do
enclausuramento de seu departamento para a pesquisa multidisciplinar por tema,
participando de atividades humanistas que permitam a universalização do saber.
Publicização do ensino estatal
O Brasil vive raro
momento em que o ensino superior estatal é criticado em nome da justiça social.
As universidades dos estados são ocupadas, gratuitamente, pelos filhos das
classes média e alta; nas universidades particulares ficam os demais.
Nessas condições,
parece ser mais justo cobrar dos ricos a escola superior que seus filhos
freqüentam. Esta concepção de justiça social incorre em três erros:
ilusão quanto às características sociais da população universitária; desconhecimento
do custo de manutenção da universidade; e falsa visão do papel da universidade.
Mesmo considerando
que o sistema de escolha, por vestibular, favoreça o ingresso dos filhos dos
ricos nas escolas públicas, é falso dizer que nas universidades particulares
estão os filhos dos pobres. No Brasil, raramente os pobres passam da escola
primária.
A alternativa de
que os ricos paguem por seus filhos também não soluciona o problema. São tão
poucos os que poderiam pagar a taxa média do custo da universidade que essa
contribuição seria insignificante para o financiamento global da universidade.
Em compensação, o fato de pagar daria, a esses poucos, poder e direito sobre a
universidade, forçando-a a adaptar-se aos seus interesses particulares, que
consistem, obviamente, na obtenção de um passaporte à promoção individual como
forma de recuperar os seus gastos. Essa situação apenas se justificaria para os
que concebem o curso universitário como investimento financeiro.
O mesmo ocorreria
se a universidade fosse financiada diretamente por empresas: as indústrias
montariam escolas de engenharia; os donos de hospitais, faculdades de medicina.
Estas empresas, como proprietárias, aprisionariam as escolas em seus interesses
e racionalidades, buscando o máximo de retorno no prazo mais curto. atendendo
apenas à demanda dos ricos.
A injustiça da
universidade pública não reside no fato de que nela só entram os filhos dos
ricos – isso é injustiça social. A injustiça da universidade está em que todos
aqueles que dela saem trabalhem apenas para os ricos, em decorrência da
estrutura, do currículo e dos métodos de trabalho. Formar e ser elite
intelectual não é erro, é obrigação. Errado é só servir à elite econômica e
social.
Em uma sociedade
em transformação, como a brasileira, a universidade não deve limitar-se a
encontrar pequenas respostas, deve formular grandes e novas perguntas. Isso não
é possível com alunos, pais de alunos ou empresas buscando retorno imediato de
seus investimentos. O momento exige a mais absoluta liberdade de pensamento e o
compromisso maior com o destino do país, o que só é possível com o ensino
superior público-e-gratuito para todos os que tenham condições intelectuais de
aproveitá-lo, assumindo o compromisso de usar socialmente os conhecimentos
obtidos.
O grande desafio
da universidade brasileira para os próximos anos não é privatizar o ensino
estatal, com base em míopes e equivocados conceitos de justiça; é tornar
pública a universidade hoje apenas estatal, pondo-a a serviço do público. A
universidade pública deve transformar-se para formar profissionais que atendam
às necessidades da população e da construção do futuro da nação, em vez de
atender apenas à demanda atual da minoria rica.
Ao mesmo tempo
que restringe seus cursos aos mais competentes, a universidade deve desenvolver
mecanismos para levar seu potencial educativo a toda a população, através de
programas de extensão, ensino a distância, treinamentos etc. Ao lado do
compromisso de servir ao público, o maior compromisso da universidade pública é
o de fazê-lo com o máximo de qualidade. Por isso, a publicização da
universidade estatal passa pela manutenção de rígidos critérios de seleção.
Fonte
BUARQUE,
Cristovam. Universidade para a crise. Advir,
Rio de Janeiro, nº 6, jul. 1995, p. 36-48.
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