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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Universidade para a crise, universidade para todos?

Gente, li um texto esses dias muito interessante do Cristovam Buarque, escrito em 1995 e que atende aos dias de hoje. Vou transmitir pra vcs e quem sabe incrementar os comentários a respeito do assunto. Fiquem à vontade.


Universidade para a crise

A retomada de qualidade


Consciência da perda


O primeiro passo para a retomada da qualidade na universidade está dado com os sentimentos de angústia e insatisfação, que decorrem da consciência da perda de qualidade. De certa forma, até a apatia é manifestação positiva, se for comparada com a euforia iludida e orientada em busca de melhorar a qualidade definida em termos obsoletos. Nesse sentido, a universidade brasileira está na frente das demais instituições nacionais. A grande insatisfação já existe. Poderá caminhar para longo niilismo apático ou para a rebeldia, e, daí, à reformulação com a redefinição do conceito de qualidade e à retomada desta nova qualidade.

Fermentação


Felizmente, em vez de cair na ilusão da falsa qualidade, este conjunto de sentimentos se manifesta, forçando a fermentação necessária à retomada da qualidade de fato.

Nos últimos anos, considerável parcela da comunidade está mobilizada constantemente em atividades muitas vezes diferentes das tradicionais. Muitos, estáticos, acreditam que este ativismo nada tem a ver com a academia. São os que não vêem a necessidade de mudanças. Os que vêem, sabem que a universidade, longe de estar apática, está viva.

Condução da rebeldia


Há em muitos o desejo de fugir da angústia do sem-rumo através de proposta imediata que empolgue e conduza a comunidade de volta apenas ao tradicional trabalho acadêmico. Esta alternativa não servirá para o momento. O papel de liderança conseqüente, hoje, é criar e garantir as condições para liberar toda criatividade existente, através de:

  • absoluta abolição do medo, mesmo com as complicações gerenciais que isso provoca;
  • sugestão de concepções radicais de universidade que esteja na vanguarda dos problemas, mesmo com o risco de incomodar;
  • incentivo total e apoio firme às idéias da comunidade, mesmo com o risco da perda de credibilidade por não conseguir realizá-las integralmente;
  • criação das condições de infra-estrutura para manter o clima de crescimento, mesmo que os recursos sejam escassos;
  • alerta permanente para o problema da qualidade e a realização de toda e qualquer ação que ajude a melhorá-la desde já, sobretudo através da constante avaliação e autocrítica;
  • avaliação, provocação e cobrança de alunos por professores, de professores por alunos e de funcionário pela administração, quebrando-se o chamado pacto da mediocridade, na prática do dia-a-dia do ensino.

Visão global do universo do conhecimento


Lamentavelmente, a maioria dos corpos docente e discente das universidades ainda assume a visão moderna de que o pensamento segmentado da especialização é o caminho mais eficiente para o avanço do conhecimento. Com isso, a universidade generalizou a prática do pensamento isolado dentro de cada departamento, perdendo não apenas a dimensão global de cada tema e objeto real de estudo, mas, sobretudo, a dimensão humanista do pensamento.

As tentativas dos cursos por créditos, cursos básicos e profissionalizantes, não permitiram a formação de pensamento integrado e humanista. Esta formação exigirá prática diferente do trabalho universitário, onde o professor e o aluno saiam do enclausuramento de seu departamento para a pesquisa multidisciplinar por tema, participando de atividades humanistas que permitam a universalização do saber.

Publicização do ensino estatal


O Brasil vive raro momento em que o ensino superior estatal é criticado em nome da justiça social. As universidades dos estados são ocupadas, gratuitamente, pelos filhos das classes média e alta; nas universidades particulares ficam os demais.

Nessas condições, parece ser mais justo cobrar dos ricos a escola superior que seus filhos freqüentam. Esta concepção de justiça social incorre em três erros: ilusão quanto às características sociais da população universitária; desconhecimento do custo de manutenção da universidade; e falsa visão do papel da universidade.

Mesmo considerando que o sistema de escolha, por vestibular, favoreça o ingresso dos filhos dos ricos nas escolas públicas, é falso dizer que nas universidades particulares estão os filhos dos pobres. No Brasil, raramente os pobres passam da escola primária.

A alternativa de que os ricos paguem por seus filhos também não soluciona o problema. São tão poucos os que poderiam pagar a taxa média do custo da universidade que essa contribuição seria insignificante para o financiamento global da universidade. Em compensação, o fato de pagar daria, a esses poucos, poder e direito sobre a universidade, forçando-a a adaptar-se aos seus interesses particulares, que consistem, obviamente, na obtenção de um passaporte à promoção individual como forma de recuperar os seus gastos. Essa situação apenas se justificaria para os que concebem o curso universitário como investimento financeiro.

O mesmo ocorreria se a universidade fosse financiada diretamente por empresas: as indústrias montariam escolas de engenharia; os donos de hospitais, faculdades de medicina. Estas empresas, como proprietárias, aprisionariam as escolas em seus interesses e racionalidades, buscando o máximo de retorno no prazo mais curto. atendendo apenas à demanda dos ricos.

A injustiça da universidade pública não reside no fato de que nela só entram os filhos dos ricos – isso é injustiça social. A injustiça da universidade está em que todos aqueles que dela saem trabalhem apenas para os ricos, em decorrência da estrutura, do currículo e dos métodos de trabalho. Formar e ser elite intelectual não é erro, é obrigação. Errado é só servir à elite econômica e social.

Em uma sociedade em transformação, como a brasileira, a universidade não deve limitar-se a encontrar pequenas respostas, deve formular grandes e novas perguntas. Isso não é possível com alunos, pais de alunos ou empresas buscando retorno imediato de seus investimentos. O momento exige a mais absoluta liberdade de pensamento e o compromisso maior com o destino do país, o que só é possível com o ensino superior público-e-gratuito para todos os que tenham condições intelectuais de aproveitá-lo, assumindo o compromisso de usar socialmente os conhecimentos obtidos.

O grande desafio da universidade brasileira para os próximos anos não é privatizar o ensino estatal, com base em míopes e equivocados conceitos de justiça; é tornar pública a universidade hoje apenas estatal, pondo-a a serviço do público. A universidade pública deve transformar-se para formar profissionais que atendam às necessidades da população e da construção do futuro da nação, em vez de atender apenas à demanda atual da minoria rica.

Ao mesmo tempo que restringe seus cursos aos mais competentes, a universidade deve desenvolver mecanismos para levar seu potencial educativo a toda a população, através de programas de extensão, ensino a distância, treinamentos etc. Ao lado do compromisso de servir ao público, o maior compromisso da universidade pública é o de fazê-lo com o máximo de qualidade. Por isso, a publicização da universidade estatal passa pela manutenção de rígidos critérios de seleção.

Fonte

BUARQUE, Cristovam. Universidade para a crise. Advir, Rio de Janeiro, nº 6, jul. 1995, p. 36-48.

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