Nos
caminhos da docência: tecendo os fios
Fonte
ISAIA, Silvia Maria de Aguiar; BOLZAN, Doris Pires Vargas. Formação do professor do ensino superior: um processo que se aprende? Centro de educação. Santa Maria, v.29, n.2.
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Na medida em que partimos do pressuposto de
que não existe preparação específica prévia para ser professor do ensino
superior, entendemos que a docência instaura-se ao longo de um percurso que
engloba de forma integrada as idéias de trajetória e de formação,
consubstanciadas no que costumamos denominar de trajetórias de formação, nas
quais as idéias de conhecimento pedagógico compartilhado e redes de interações
são imprescindíveis.
De modo geral, as trajetórias representam
porções de tempo que vão se sucedendo ao longo da vida dos professores,
simbolizando a explicitação temporal das mesmas. Elas envolvem um intricado
processo, englobando fases da vida e da profissão. Compreendem não apenas o
percurso individual de um professor ou grupo, mas uma rede formada por uma
multiplicidade de gerações entrelaçadas em uma mesma duração histórica (ORTEGA
Y GASSET, 1970; ISAIA, 2001, 2003a, 2003b, 2003c). Assim, acreditamos que
obteremos um avanço sobre as questões formativas, à medida que buscarmos
compreender as relações recíprocas existentes entre o domínio do saber
(conhecimento científico) e o domínio do saber fazer (conhecimento prático),
tendo como horizonte o entrelaçamento das trajetórias docentes desses sujeitos.
Estas relações implicam um processo
sistemático, organizado e auto-reflexivo, envolvendo os percursos que vão desde
a formação inicial, abarcando o exercício continuado da docência nos diversos
espaços institucionais em que se desenrola. Orienta-se para a constante
apropriação de conhecimentos/saberes/fazeres próprios a área de atuação de cada
profissão, bem como do modo de mediar essa apropriação aos alunos. Assim, na
medida em que os professores formam, também se formam, ou seja, constituem-se
como docentes (ISAIA, 2003 a). Esse processo de reflexão crítica, feito
individualmente ou em grupo, pode tornar conscientes os modelos teóricos e
epistemológicos que se evidenciam na sua atuação profissional e, ao mesmo
tempo, favorecer a comparação dos resultados de sua proposta de trabalho com as
teorias pedagógicas e epistemológicas mais formalizadas.
Em termos de carreira docente, os
professores, induzidos pelas exigências da academia e seus órgãos reguladores,
consideram que a docência depende da sua qualificação como pesquisadores,
oferecida pelos cursos de Pós-Graduação stricto senso, bem como por sua
produção científica.
Nessa perspectiva, a pesquisa é priorizada
no contexto do ensino superior, principalmente nas universidades públicas,
sendo o ensino pouco valorizado, entendido como secundário, envolvido apenas
com a transmissão de conhecimentos (SANTOS, 1997; CUNHA, 2001). A dicotomia
entre estas duas instâncias pode levar a uma ruptura entre ser professor e ser
pesquisador. Não se trata, contudo, em optar por uma função em detrimento de
outra e sim de integrá-las na prática pedagógica universitária. Além de
produzir sobre uma área específica de conhecimento, cabe ao docente produzir
sobre como ser professor.
Esse processo envolve o pensamento do
professor e suas formas de conceber e desenvolver a docência. Logo, é relevante
explicitar como este sistema de concepções pessoais se desdobra,
transformando-se em conhecimento compartilhado.
Esse processo de transformação implica na
apropriação dos conhecimentos prévios dos professores, conhecimentos
pedagógicos apreendidos na formação e sua relação com a prática pedagógica (o
conhecimento da prática, tanto quanto o conhecimento mediado pela prática)
desenvolvida no cotidiano das IES. Há uma interação dialética entre esses
conhecimentos que se referem a uma compreensão mais profunda do que pode ser
considerada a base da competência do indivíduo num domínio específico.
[...]
Desse modo, podemos dizer que, à medida que
estes professores discutem sobre seus fazeres docentes, explicitando suas
concepções acerca do processo de ensinar e de aprender, deixam evidente a busca
de um caminho de indagação, demonstram a direção escolhida e, conseqüentemente,
uma postura reflexiva acerca de seus saberes e fazeres pedagógicos,
contribuindo para sua formação.
Assim, ao longo da carreira, os professores
vão se formando e se (trans) formando, tendo presentes as demandas da vida e da
profissão.
[...]
Nesta perspectiva, as formas de organização
pedagógica e sua relação com as ações do professor constituem o conhecimento
pedagógico que pode ser entendido por, pelo menos, duas vias: a orientação
pedagógica compreendida aqui como um conjunto de formas de intervenção
didática, desenvolvidas pelos professores na prática cotidiana, a partir de
seus conhecimentos sobre a matéria a ser desenvolvida e o modo de ensiná-la e o
papel do professor que tem implicação direta na forma de apropriação da sua
função de mediador e organizador das situações de ensino. (PÉREZ GÓMEZ, 1990;
MOLL, 1996, BOLZAN, 2001, 2002a, 2002b)
Logo, consideramos que as trajetórias
pessoais e profissionais são fatores definidores dos modos de atuação do
professor, revelando suas concepções sobre o seu fazer pedagógico. A construção
do papel de ser professor é coletiva, se faz na prática de sala de aula e no
exercício de atuação cotidiana seja na escola seja na universidade. É uma
conquista social, compartilhada, pois implica em trocas e representações.
Assim, as formas mais úteis de representação das idéias, as analogias,
ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações, a maneira de representar e
formular a matéria, para torná-la compreensível, revela a compreensão do
processo de ensinar e de aprender pelo professor. O domínio desses aspectos é
fundamental na construção do conhecimento pedagógico pelo professor.
[...]
O que os docentes pensam sobre ensinar e
aprender está relacionado às suas experiências e a sua formação profissional, o
que exige que pensemos sobre quem ensina e quem aprende no processo de
formação.
As crenças e concepções teóricas implícitas
que os professores têm acerca de seu fazer pedagógico podem sinalizar a maneira
como eles processam as informações e como percebem as formas de intervenção
didática, como marco de referência para sua prática, construindo seu
conhecimento pedagógico de forma compartilhada.
Esse conhecimento pedagógico é um conceito
base, por tratar-se de um conhecimento amplo, implicando no domínio do saber
fazer (estratégias pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações
(MARCELO, 1999, 1997).
Nesse sentido, compreender o processo de
construção de conhecimento pedagógico compartilhado é tão fundamental, quanto
compreender o aprender a aprender, o que equivale a ser capaz de realizar
aprendizagens, em diferentes situações e contextos que favoreçam a aquisição de
estratégias cognitivas, considerando-se as condições individuais de cada
sujeito na sua interação com pares. Esse processo implica em trocas cognitivas
e socioculturais entre ensinantes/aprendentes, sendo possível destacar-se
condições a serem levadas em conta pelos professores, ao longo de suas
trajetórias de formação.
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